Três
vezes a morte o cortejou, como um boêmio a galantear donzelas ingênuas. A
primeira vez que se encontraram, o sol dava seu último passeio em pleno céu azul
anil. Os pássaros embalavam a noite que logo viria, os velhos se recolhiam para
suas lembranças nostálgicas. E assim, ele também o fez. Fechou-se para a
solidão de seus aposentos. Na mesa, seu vinho lhe aguardava. Uma luz fraca
iluminava o cômodo. Há alguns anos, diminuto para a grande família, que o tempo
tratou de levá-la, aos poucos. Hoje, o vazio o tornava imenso, ecoando com o
silêncio gélido. Sentou-se na cadeira, uma das poucas que restava, e
pacientemente, tomou seu vinho barato, lembrando dos seus dias fartos, em que
jamais tomaria algo parecido. No teto, uma corda lhe encarava. Passara o dia
trabalhando no nó. Depois de longas horas, enfim o conseguiu. Estava orgulhoso
com o feito. Para um velho que nada mais fazia da vida, senão ver e esperar o tempo
passar, não ficou nada mau, sem dúvida. Depois de esvaziar a garrafa em grandes
goles, levantou-se, ligou uma velha vitrola que milagrosamente, sobreviveu aos incontáveis
anos. Olhou fixa e longamente para o nó, depois de o álcool o encorajar, e uma
boa música o acalentar, pegou da cadeira, e com um esforço descomunal de velhos
desajeitados, subiu-a, meteu a cabeça no nó, e num salto impensado, jogou-se para
a eternidade.
Na
manhã seguinte, o sol entrou sem permissão pelas frestas das janelas gastas,
veio dar com um velho caído no chão, sobre uma cadeira despedaçada, e horas de
trabalho árduo, desperdiçadas em um nó falho. Seu primeiro contato com a morte
fracassara.
Seu
segundo encontro com a morte não foi planejado. Para ele, uma das melhores
coisas que já fez em vida. Foi em um dia de sol forte, quando resolveu sair
para um passeio. Era um dia alegre, desses em que senão fosse doloroso, seria
um excelente dia para se morrer. Ia atravessando uma rua movimentada, e num
lapso, jogou-se na frente dos carros. Não lembra mais de nada, a não ser, que
acordou em um lugar branco, irradiando com a luz que entrava, e de uma senhora
simpática, a lhe encarar majestosamente. Essa foi a recompensa por mais um
encontro com a morte, sem êxito. Com a senhora viveu dias muito bons em um
abrigo, o mesmo local onde foi tão bem acolhido depois do acidente. Foram dias
que lhe valeram pelos intermináveis anos de carência, a olhar da janela, a vida
que passava ora numa correria, ora arrastando-se, como se o amanhã fosse
insignificante. Nesse momento, ele apenas desejava que os ponteiros esquecessem
suas funções, para com sua senhora, saborear esse sentimento de felicidade que
a muito tempo desconhecia.
A
morte o encontrou vitoriosa, num dia claro, com as folhas caindo das árvores,
embaladas pelo vento fresco que deixava ainda mais agradável a tarde de sol. Para
ele, um dia lindo para se chegar ao céu.
Ela veio inesperada, mas não indesejada.
O encontrou no jardim, depois de um café quente, um livro chegado ao
fim, e com sua mão entrelaçada à da sua amada, numa conversa que continuaria
mesmo depois da eternidade.
Rayane Medeiros
Rayane Medeiros
Que posso dizer além de parabeniza-la? .....Escreva, escreva, escreva bem muito, você tem muito o que nos oferecer através de letras, e seria egoísmo guardar este talento dentro de gavetas, em cadernos ou mesmo na mente. Publique!!! Um Abraço com carinho!!! : )
ResponderExcluirMuito obrigada poeta, muito obrigada mesmo, isso me anima bastante!
ResponderExcluirQuando crescer quero escrever assim. =)
ResponderExcluirÓtimo texto!
Parabéns!
Imagina poeta, eu é que quero escrever como vc quando crescer!!!
ResponderExcluirDe qualquer forma, muito obrigada! ;***