domingo, 15 de janeiro de 2012

Das Folhas que Caem



Três vezes a morte o cortejou, como um boêmio a galantear donzelas ingênuas. A primeira vez que se encontraram, o sol dava seu último passeio em pleno céu azul anil. Os pássaros embalavam a noite que logo viria, os velhos se recolhiam para suas lembranças nostálgicas. E assim, ele também o fez. Fechou-se para a solidão de seus aposentos. Na mesa, seu vinho lhe aguardava. Uma luz fraca iluminava o cômodo. Há alguns anos, diminuto para a grande família, que o tempo tratou de levá-la, aos poucos. Hoje, o vazio o tornava imenso, ecoando com o silêncio gélido. Sentou-se na cadeira, uma das poucas que restava, e pacientemente, tomou seu vinho barato, lembrando dos seus dias fartos, em que jamais tomaria algo parecido. No teto, uma corda lhe encarava. Passara o dia trabalhando no nó. Depois de longas horas, enfim o conseguiu. Estava orgulhoso com o feito. Para um velho que nada mais fazia da vida, senão ver e esperar o tempo passar, não ficou nada mau, sem dúvida. Depois de esvaziar a garrafa em grandes goles, levantou-se, ligou uma velha vitrola que milagrosamente, sobreviveu aos incontáveis anos. Olhou fixa e longamente para o nó, depois de o álcool o encorajar, e uma boa música o acalentar, pegou da cadeira, e com um esforço descomunal de velhos desajeitados, subiu-a, meteu a cabeça no nó, e num salto impensado, jogou-se para a eternidade.
Na manhã seguinte, o sol entrou sem permissão pelas frestas das janelas gastas, veio dar com um velho caído no chão, sobre uma cadeira despedaçada, e horas de trabalho árduo, desperdiçadas em um nó falho. Seu primeiro contato com a morte fracassara.
Seu segundo encontro com a morte não foi planejado. Para ele, uma das melhores coisas que já fez em vida. Foi em um dia de sol forte, quando resolveu sair para um passeio. Era um dia alegre, desses em que senão fosse doloroso, seria um excelente dia para se morrer. Ia atravessando uma rua movimentada, e num lapso, jogou-se na frente dos carros. Não lembra mais de nada, a não ser, que acordou em um lugar branco, irradiando com a luz que entrava, e de uma senhora simpática, a lhe encarar majestosamente. Essa foi a recompensa por mais um encontro com a morte, sem êxito. Com a senhora viveu dias muito bons em um abrigo, o mesmo local onde foi tão bem acolhido depois do acidente. Foram dias que lhe valeram pelos intermináveis anos de carência, a olhar da janela, a vida que passava ora numa correria, ora arrastando-se, como se o amanhã fosse insignificante. Nesse momento, ele apenas desejava que os ponteiros esquecessem suas funções, para com sua senhora, saborear esse sentimento de felicidade que a muito tempo desconhecia.
A morte o encontrou vitoriosa, num dia claro, com as folhas caindo das árvores, embaladas pelo vento fresco que deixava ainda mais agradável a tarde de sol. Para ele, um dia lindo para se chegar ao céu.  Ela veio inesperada, mas não indesejada.  O encontrou no jardim, depois de um café quente, um livro chegado ao fim, e com sua mão entrelaçada à da sua amada, numa conversa que continuaria mesmo depois da eternidade.




Rayane Medeiros

4 comentários:

  1. Que posso dizer além de parabeniza-la? .....Escreva, escreva, escreva bem muito, você tem muito o que nos oferecer através de letras, e seria egoísmo guardar este talento dentro de gavetas, em cadernos ou mesmo na mente. Publique!!! Um Abraço com carinho!!! : )

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  2. Muito obrigada poeta, muito obrigada mesmo, isso me anima bastante!

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  3. Quando crescer quero escrever assim. =)

    Ótimo texto!

    Parabéns!

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  4. Imagina poeta, eu é que quero escrever como vc quando crescer!!!

    De qualquer forma, muito obrigada! ;***

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