sexta-feira, 30 de setembro de 2011

Resquícios


Da noite primeira
(E senão a última)
Ficou-me teu cheiro,
O amadeirado suave
Entranhado em meu corpo...

Ficou teu trago em minha boca,
O doce amargo do teu negro.

Da noite primeira
(E senão a última)
Ficou-me o teu falar
ao pé do ouvido,
Teu grave que se desfaz
                         Em arrepio...

Ficou o abraço inquietante,
O beijo trocado em comum acordo.

Da noite primeira
(E senão a última)
Ficou-me teu vício impregnado,
Teu tato em minha pele,
Meu desejo...
                    Não saciado.


Rayane Medeiros

sábado, 24 de setembro de 2011

Retalhos





"O que sinto muitas vezes
 Faz sentido e outras vezes
Não descubro um motivo
Que me explique porque é
Que não consigo ver sentido
No que sinto, que procuro
O que desejo e o que faz parte
Do meu mundo..."
 ( Eu Era Um Lobisomen Juvenil, Legião Urbana)



A verdade é que tenho estado sozinho. Costurando retalhos. Tragando o ardor do silêncio habitual. Não é nenhum incômodo. É um misto de prazer e soberania. Reinar o vazio. Fantasias pessoais tão possíveis quanto o resto.
As lembranças vagam pelos cômodos. Fingem não ver-me. De longe contemplo-as. Instigado a voltar, recomeçar, devorar sensações extintas. Não me ferem, não me entristecem. Mas há o desconhecido. O desejo de não ser, de não estar-se aqui, agora. Construir um estranho que não me seja.
Há o ruído da vizinhança, o prazer verbalizado, as ruas noturnas que gritam seus segredos, o mundo que me convida para seus devaneios. Porém, não me rendo, não porque não queira, mas já não seria o meu senhor. Seria a somatória da insanidade alheia. E me desfaleço em tinto, prostrado no comodismo dos que se negam ao pecado, saboreando da janela o rumor da vida, enquanto a ânsia queima devagar, alternando entre os dedos e os lábios, estes já, quase torpes. É mais que um mau-hábito, é uma necessidade. E me desfaço em abstinência quando destes me privo. Não é um simples teste. Ponho-me à prova, e volto rastejando para os confins do meu desalento.
Encho os pulmões de ilusão, sopro no ar sonhos que se desfazem como nuvens de algodão. Impregnadas de um desejo qualquer. E fervo meu sangue em grandes doses, tão amargos quanto o eco das paredes que respondem indolentes, às minhas blasfêmias rotineiras.
Não é uma vida, é um passeio indesejado. Só observo. Estático. Passivo. À espera da plataforma de chegada. Não é destino, acaso ou passos mal dados. É puro e simplesmente articulado. E me reprimo em minha própria insanidade em despeito do que pode vir.


Rayane Medeiros

sábado, 17 de setembro de 2011

Enfim


"Until you have it all you won't be free"
 (Society, Eddie Vedder)


Andei cogitando o fim. Das palavras, dos versos, de mim. Cogitei um mar sem remorsos, um penhasco ruidoso ou quem sabe, um deserto alucinógeno. Entretanto, confesso que também andei pensando na vida... No café aguado da tarde, nas conversas saudosas dos velhos, meus vizinhos. Pensei nos prazeres corrompidos, na mocidade que vez ou outra segue por caminhos tortuosos. Pensei, sobretudo, no amor por aqueles que devoto, mas nem por isso deixei por um minuto sequer, de cogitar o fim.
Talvez não seja a hora, mas a ideia já me consumiu, e veio quando a solidão já se fazia presente, e agora não me larga, não me ouvi, acredito que não haveria negociações. E ainda penso na vida.  No riso, no abraço, no afago, no encontro, na música, na alegria de outrora. Talvez o barulho familiar também me faça falta. O passarinho na gaiola, louco por vida. As flores sem cheiro no quintal...
Ando desgastado. Já não me basto. Não me satisfaço. Não falo de prazeres, falo de realizações, compensações comuns do que sempre esperam mais do que a vida pode lhes dar. Nós somos feitos de sonhos, e quando estes não se realizam, nada mais somos. Sobrou-se o alvoroço, a pressa que nos leva ao desespero...
E as palavras, ah! As palavras. Estas sim são infiéis comigo. Me fogem quando mais preciso! E me engasgam em nó na garganta. Elas são meu infortúnio. E digo mais, querem ver-me findo!
Cogito e cogito, não vejo mal algum. Querem ver-me outro. Mas de outro eu já sou. Andei descartando poemas, a angústia obrigou-me a tal. Mas digo, pertenço ao abstratismo, não sou claro nem evidente. Sou disperso e questionável, não sou de rimas, mas faço versos.
Nunca somos bons o suficiente. Não basta ser poeta, tem que ser escritor, não basta ser bom, tem que provar que o é. E nos tornamos escravos da opinião alheia, nos moldamos, nos adaptamos. E quando vemos, enfim, já não nos somos.




Rayane Medeiros


sexta-feira, 16 de setembro de 2011

Barco À Deriva



É em teus mares que navego
E mergulho na tua imprudência
Inadvertidamente.

Bebo teus goles Intragáveis –
Sal,
Amargor,
Doçura efêmera.

Teu corpo em minha saliva,
Em minha pele
Marcada sem dor,
  Sem pudor,
Tampouco arrependimento.

Um barco à deriva
As águas lhe tragam
  Mastigam
E lhe convertem
 Do inferno ao paraíso,
    Das noites em claro aos dias frios.
        E lhe cospem no suor sagrado
                           O pecado dos que fogem à vida.                      
                      

Rayane Medeiros

sexta-feira, 9 de setembro de 2011

Contento


Da Noite –
Se não última,
Aparente
Me ficou o ruído
O adeus
           Não dito. 

A promessa desfeita,
O silêncio em conflito
Com teu sorriso, 
Meu palpitar,
O soluço reprimido.

Teu afago
       em despedida,
Meu corpo
       em desalento,
Teu gosto
         que desfazia.
   
Teu fogo 
Eu sua lenha
Em combustão –
       Contento
Em meus fluídos,
Abrasou-se.


 Rayane Medeiros

sábado, 3 de setembro de 2011

Aqui jaz Um Conto


Então o conto desfez-se em pó
E agora jaz, irônico,
Procurando em outros laços
Teu ego perdido em meu prazer.

Já não há o sussurro confessado,
O gozo sutil dos que fogem à surdina...
Não há o receito,
O teu pêlo arranhando meu peito,
O amor que me corrompe
Sem consentimento,
Não há sequer o medo.

Agora há o vazio,
As mãos frias que se agitam
Eufóricas e
Unem-se recíprocas,
Como n’um consolo
Procurando aquelas que jazem entre as suas.

Há agora senão os destroços
Indesejáveis no meio do caminho
De um conto repentino
Que nos despiu
Nos consumiu
E saciado se desfez.


Rayane Medeiros