A Claudio Feliciano,
Luiz Luz e Ramon Victor,
dos quais sou verdadeiramente fã, e me inspiraram este
conto.
“… Sempre que sinto na boca uma
amargura crescente, sempre que há em minha alma um novembro úmido e chuvoso,
sempre que dou comigo parando involuntariamente diante de empresas funerárias
ou formando fila em qualquer enterro e, especialmente, sempre que a minha
hipocondria me domina a tal ponto que necessito apelar para um forte princípio
de moral a fim de não sair deliberadamente à rua e atirar ao chão,
sistematicamente, os chapéus das pessoas que passam… então, calculo que é tempo
de fazer-me ao mar, e o mais depressa possível. O mar é o meu substituto para a
pistola e a bala…”
Moby
Dick, Hermann Melville
Não
era de muitos amigos, de muitas falas, de muitos risos. Mas quando o era, o era
como ninguém. Conservava o hábito de manter-se só. Vivia para seus livros, seus
discos, suas fotos pregadas na parede – a única coisa do passado que ainda
mantinha viva. Não saía, não bebia. Mas a solidão – sua melhor desculpa – o
obrigara ao vício do fumo. Nunca ninguém o via, mas se o visse, estaria indiscutivelmente,
com um cigarro passeando dos dedos aos lábios. O cheiro do tabaco já não lhe
desgrudava, era um romance infindável, e isso lhe chegava a ser até interessante.
Não
era feio. Em verdade, era belo. A pele branca, barba espinhando, cabelos quase
cobrindo a testa expressiva. Tinha uns olhos escuros, de cobiça, desses que nos
prendem, como a flertar o horizonte por horas. O riso era de criança que a tudo
ver graça – inocente, fácil, convidativo. Era muito desejado. Várias mulheres
passavam por sua cama, porém nenhuma teve a sorte de visitá-la mais de uma vez.
Não o alcançaram além do prazer. Mantinha um relacionamento sério com sua
própria solidão. Em dias alegres, onde se podia ouvir o barulho que vinha da
rua, não desejava outra coisa senão a vida que levava. Em dias onde o silêncio
era doloroso, se perguntava até quando continuaria ali, com as sombras a
escutar seus dedos arrancando melodias do violão cansado. Em dias de chuva, perdia-se na rua sombria e
vazia, com a água fria a molhar-lhe a cara, os pêlos eriçados, a pele que nunca
via sol. Deixava escorrer as amarguras, os desejos implícitos, a vontade em
ver-se outro.
Foi
num desses dias, em que nossos impulsos atropelam nossos hábitos, que ele
decidiu sair. Sem destino. Sem nada esperar. Saiu. Deixou pra trás a casa
cheia. De ilusões, verdades não ditas, vontades oprimidas. Levou no corpo uma
roupa nunca posta, os pêlos no rosto que sempre conservava bem cuidados, e um
sorriso que há muito tempo não usava. O vento fresco veio lhe receber à porta.
O sol se erguia aos poucos, ainda não de todo acordado. Rua à baixo foi se
encontrando aos poucos. Estava nos rostos que lhe fitavam curiosos, nas casas
velhas, o cheiro de fruta madura, que roubava do quintal dos vizinhos enquanto
moleque... Encontrou-se bem mais nas ruas, do que nas fotos que as mantinha
vivas.
Foi dar consigo enquanto olhava o mar, os pés
descalços cobertos pela areia fria, a massagear os dedos cheios de bolhas; o
sal lhe impregnando, desgrenhando o cabelo fino. Tinha diante de si os pássaros
beijando a água salgada, as ondas quebrando nas pedras, alguns peixes que
sobressaiam, banhistas que se arriscavam ao banho frio, castelos de areia que
ainda resistiam... A praia sempre foi seu refúgio. Olhar o mar lhe era
deliberadamente revigorante. Não, minto! Olhar o mar era tomar das drogas mais
fortes, entorpecia-se! Passava horas olhando o infinito, desejando que este lhe
tragasse, e lhe mostrasse um paraíso submerso. Foi ali que tantas vezes descarregou
suas frustrações, seus planos de vida fracassados... Andou tanto tempo ocupado
com o claustro, e o medo em encarar o real, que já não lembrava o quanto aquela
imensidão azul lhe fazia bem... Encontrou-se finalmente.
A
casa continua como ele deixou. Sem vida. Os vizinhos não deram por sua falta. Seus
amigos sempre vão à sua procura, depois da ausência das cartas que ele ainda
fazia questão de escrever. O procuram em vão. É provável que nunca o achem. As
más línguas dizem que ele já não vive; que a morte o encontrou errante. Os bons
de espírito acreditam que ele vaga, contemplando a liberdade. Extasiado,
embriaga-se dela pelo tempo que se esquivou. Mas a única verdade, é que ele se
encontrou. Ele finalmente se encontrou.
Rayane Medeiros
Parabéns meu anjo! Estimo muito seu estilo sempre melhorando e demonstrando sua mente criativa! Vejo que você está se econtrando em sua tragetória intelectual! Sou deveras grato pelas palavras...Não obstante seu texto veio como um espelho em meu imaginario- belas palavras na forma de um belo conto. Beijos...
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